O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) está deixandode usar uma ferramenta, prevista em lei, que vincula aconcessão de benefícios por incapacidade temporária aosacidentes de trabalho.Outro risco é a redução do valor recolhido à Previdência porempresas que recorrentemente geram problemas de saúde aseus empregados, impactando nas contas públicas.
O que aconteceu?
Desde então, para solicitar o benefício por incapacidade temporária (o antigo auxílio-doença), o segurado envia documentos e atestados médicos por meio do aplicativoMeu INSS, sem a necessidade de passar por uma perícia presencial.
No entanto, a análise documental do Atestmed ainda não leva em conta o NTEP(Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário), ferramenta que permite avaliar se oproblema de saúde desenvolvido por uma pessoa tem relação direta com seutrabalho.
Instituído pela Lei 11.430 de 2006, o NTEP cruza os dados de atividades econômicascom a Classificação Internacional de Doenças (CID), auxiliando a análise feita porperitos para a concessão de benefícios.
Por meio do NTEP, é possível saber, por exemplo, que funcionários de frigoríficos têmexcesso de risco para lesões por esforço repetitivo, por realizarem movimentosfrenéticos na desossa de animais. Quando um empregado de um abatedouroapresenta esse tipo de doença, a comprovação do nexo com o trabalho é automática.
Em nota, a assessoria de imprensa do Ministério da Previdência Social afirmou que aadoção do NTEP “ainda depende de ajustes sistêmicos com a Dataprev [empresaestatal de tecnologia da informação] para sua utilização na análise documental”.
Desvantagens para o segurado
Ao não reconhecer a relação com o trabalho, o INSS deixa de conceder o benefíciochamado de “acidentário” e aprova apenas o “previdenciário”.
A nota do Ministério da Previdência afirma que não há diferença de valor entre osdois tipos de benefício. Porém, há pelo menos duas desvantagens para os seguradosque não recebem o acidentário, segundo Rômulo Saraiva, advogado especialista emPrevidência e colunista do jornal Folha de S. Paulo.
O primeiro é a perda da estabilidade de doze meses garantida a quem retorna àempresa depois de uma doença causada pela atividade profissional. Já o segundodiz respeito a uma eventual transformação da incapacidade temporária em uma
aposentadoria por invalidez
. Nesse caso, o valor do benefício sem relação comtrabalho é inferior ao do que tem relação com o trabalho.
“Inicialmente, não tem diferenciação financeira”, explica Saraiva. “Mas quando apessoa vem fazendo tratamento médico, um ano, dois anos, três anos e não melhora,aí o INSS para de pagar auxílio doença e transforma em aposentadoria. Quandoacontece isso, o cálculo vem em prejuízo [do segurado]”, complementa.
Impactos sobre as contas da Previdência
Atualmente, as empresas que geram acidentes com mais frequência são obrigadas apagar um percentual variável sobre a folha de salários, além da contribuição ao INSS.
A ideia é penalizar os empregadores campeões em acidentes e levantar recursospara custear benefícios e aposentadorias especiais decorrentes desses problemas.
Na avaliação de Maria Maeno, médica especializada em saúde e segurança doTrabalho, o Estado acaba esvaziando a base de dados que possibilita a cobrança dasempresas que mais geram doenças ocupacionais, ao ignorar o NTEP e deixar dereconhecer as condições de trabalho como causa de afastamentos. “O próprioEstado boicota a si próprio”, afirma a médica, que também é pesquisadora daFundacentro.
Segundo a nota do Ministério da Previdência, “não há dados consolidados queevidenciem a afirmação” de que as estatísticas sobre acidentes de trabalho estejamsendo jogadas para baixo.
Valeska Pincovai, secretária de saúde do sindicato dos bancários de São Paulo,reforça a importância do uso do NTEP. “Por que é importante ter ali documentado.
De acordo com Valeska, é alto o número de bancários afastados por problemaspsíquicos, causados sobretudo pelo sistema de metas adotado pelas instituiçõesfinanceiras. Reconhecer o vínculo dessas doenças com a atividade profissional é aúnica forma de fazer as empresas repensarem a organização do trabalho, avalia asindicalista. “Cerca de 90% das pessoas procuram a gente por
ansiedade
edepressão”, finaliza.
Texto: Carlos Juliano Barros – Colunista do UOL
Matéria Disponível em: https://economia.uol.com.br/colunas/carlos-juliano-barros/2024/05/14/inss-para-encurtar-fila-analise-de-beneficio-ignora-acidentes-de-trabalho.htm